Apresentação
O estilo, a expressão e a narrativa são três categorias fundamentais da estética e da história da arte. Perpassam os primórdios dessas disciplinas e chegam até a contemporaneidade, por vezes de forma renovada e reinterpretada. Ao mesmo tempo em que podem ser pensados como três conceitos distintos, cada qual com sua especificidade própria, eles se entrelaçam, e por vezes tornam-se codependentes.
A categoria de estilo, ligada à elocução latina, a partir do século XVIII, época da emergência das disciplinas da história e crítica da arte, bem como da estética, parece designar, em seu uso corrente, a marca distintiva de um povo, de um período histórico ou mesmo de um artífice. Sua relação com a antiguidade é advinda de uma opção de tradução: o tratado Περὶ ἑρμηνείας – De elocutione atribuído a Demétrio, embora o texto tenha sido, provavelmente, escrito no século I a.C – passou a ter seu título traduzido como Sobre o estilo. Nesse texto, fala-se de quatro tipos de estilo ou elocução nos discursos: o magnífico, o elegante, o simples e o veemente. Essa divisão retórica, tão cara aos primeiros movimentos na direção de uma história da arte, marcou em grande parte os esforços de compreensão do passado artístico e se tornou elemento basilar de grandes empreendimentos históricos como o de Winckelmann no século XVIII e o de Wölfflin no século XIX.
Contemporaneamente, essa categoria se vê diretamente vinculada aos diferentes elementos visuais, técnicas e métodos empregados pelo artista para definir sua obra. Em geral, pode-se dizer que é o estilo que insere uma obra em um movimento de arte ou escola artística, permitindo identificar seu autor ou autora no interior de um conceito universal da história da arte. É assim, por exemplo, que Picasso é geralmente tido como um artista do cubismo, e Marcel Duchamp, do dadaísmo. Por outro lado, a categoria de estilo aponta também para as especificidades de uma determinada obra ou tendência, impedindo que um artista seja associado a ela de forma mecânica. É o estilo, nesse sentido, que marca a originalidade de um artista, ou mesmo de uma tendência artística específica, diferenciando-a de obras geralmente subsumidas à mesma escola.
Por outro lado, o conceito de estilo também desempenha um papel que não se limita ao campo das artes, como acontece na concepção foucaultiana de uma estética da existência. Em tal perspectiva, estilo se refere não apenas à produção de objetos artísticos, mas também à produção de subjetividades, de modos de viver. Buscando construir uma filosofia capaz de manter a articulação entre pensamento e vida detectada por Foucault nos cínicos e tematizada por Nietzsche, Deleuze chamará a atenção para a importância do estilo na escrita filosófica, que diz respeito não apenas ao trato com a linguagem, mas também à criação de novas maneiras de pensar, de ver e de sentir.
À primeira vista, a categoria de expressão pode ser lida como uma variante do estilo, pois é expressando-se que o estilo de uma obra de arte se impõe. Ela possui, contudo, definições próprias, sendo mobilizada de modo decisivo já no momento mesmo em que a estética surge como disciplina filosófica autônoma. Como se sabe, Kant compreende, de início, o trabalho do gênio como ligado à produção de ideias estéticas, as quais seriam capazes de conferir à arte uma experiência análoga àquela do belo natural. No §51 da Crítica da faculdade do juízo, o filósofo conclui, entretanto, que “ se pode denominar a beleza em geral (seja beleza natural ou artística) a expressão de ideias estéticas”.
Pode-se pensar, ainda, na oposição (clássica) entre expressão e construção, tal como estipulada por Adorno em sua Teoria estética. Ao passo que a expressão pertence a uma instância mais espontânea da arte, a construção se refere a uma estrutura pré-concebida, que o artista busca realizar formalmente. Mesmo que o artista possua um plano pré-concebido, muitas vezes a expressão da obra acaba por diferir dela, tomando vida própria. É o que acontece, por exemplo, quando se pensa na relação entre expressão e mimesis: nem sempre a imitação de modelos consegue ser fiel a seu original, de modo que a imaginação produtiva adquire um papel criativo fundamental na produção da obra. A categoria de expressão, nesse sentido, está vinculada desde o início com o individual e o próprio, com o que nasce e se forma a partir de uma particularidade inimitável e que é assim avesso a todo tipo de objetificação.
Em alguma medida, as artes podem ser pensadas como manifestações da potência expressiva do corpo. Entretanto, tal possibilidade se faz mais facilmente perceptível no caso das artes que envolvem a presença do corpo, como a dança, o teatro, a performance e congêneres. Nesses casos, o corpo se torna, a um só tempo, criador e matéria-prima para a criação em suas variações expressivas e estilísticas, que não se vinculam necessariamente à representação ou figuração, sobretudo em suas modalidades contemporâneas.
A categoria da narrativa vem ganhando atenção nas últimas décadas devido, principalmente, ao filósofo francês François Lyotard que, em A condição pós-moderna, definiu a pós-modernidade como a era do fim das grandes narrativas. O pós-moderno, segundo o filósofo francês, se define pela perda sensível das visões totalizantes da história, de caráter ético, como o iluminismo e o marxismo. Essa teoria ficou conhecida também como o fim das metanarrativas. Em um sentido muito próximo, também o historiador da arte alemão Hans Belting, em O fim da história da arte, constata o equívoco dos universalismos na história da arte, principalmente em sua incapacidade de lidar com o caos da arte do século XX.
De algum modo, esses sentidos todos de “narrativa” remontam ao texto fundamental de Walter Benjamin, O contador de histórias (ou O narrador), no qual o filósofo investigou as causas modernas do fim da arte de narrar ou de contar histórias, ligado à instauração do modo de produção capitalista e ao desenvolvimento da técnica na modernidade. No plano oposto ao da forma oral de narrar ou contar histórias, a literatura do romance e do jornal, propiciada pela invenção da técnica da imprensa, atesta a condição solitária de escritor e público-leitor anônimo, de modo que a história escrita, ao romper o lastro da oralidade, perde a capacidade de transmitir experiências, ao mesmo tempo que enclausura o sujeito no âmbito da vivência, que, por sua vez, aponta para a decadência do sentido comunitário presente nas formas épicas.
Em conexão com as investigações de Benjamin, o filósofo francês Paul Ricoeur foi um dos pensadores mais importantes da “narrativa”, ao investigar sobretudo sua relação com o tempo, na obra Tempo e narrativa. É ao narrar uma história que o tempo se torna um tempo propriamente humano, de modo que a narrativa pode ser considerada um modo específico de articulação temporal enquanto confere forma a uma experiência humana. Nessa concepção de narrativa, trata-se de pensá-la a partir da superação da concepção de unicidade do tempo e da história, remetendo à ideia do tempo como inescrutável, indefinível, portanto, procedendo à superação da distinção entre “historiografia” e “ficção”. Por meio da narração de suas ações e sofrimentos como algo que não pode ser simplesmente explicado, o ser humano reconfigura sua experiência temporal, fazendo do tempo um atributo propriamente humano.
Com o objetivo de fomentar o debate em torno desses três conceitos fundamentais da tradição filosófica, o 17o Congresso Internacional de Estética Brasil convida pesquisadoras e pesquisadores a abordarem alguns dos problemas pertinentes a esse vasto campo de investigação teórica ou as possíveis interlocuções entre eles.
Formato do evento
A 17a edição do Congresso Internacional de Estética Brasil será realizada de modo presencial entre 03 e 07 de novembro de 2025 na Universidade Federal de Santa Catarina. Haverá plenárias com pesquisadores convidados e mesas com apresentação de submissões aprovadas. As mesas serão compostas de três pessoas, aceitando-se inscrições de mestrandos, doutorandos e doutores, com a possibilidade de apresentação de painel.
Subtemas
O 17o Congresso Internacional de Estética Brasil: Estilo, expressão e narrativa acolherá pesquisas que abordem o tema principal, em sua complexidade e multiplicidade de perspectivas, vinculado a um dos seguintes subtemas a ele relacionados.
- Crítica e crise na arte
- Design, arquitetura, cidade e espacialidades
- Estética como disciplina filosófica
- Estética, Brasil e descolonização
- Estética e identidades
- Estética e psicanálise
- Estéticas do corpo
- Estilo e expressão artística
- Ética e estética
- Filosofia e literatura
- Fim das grandes narrativas
- Indústria cultural
- Limites e ausência de limites na arte
- Linguagens e narrativas da arte
- Política e estética
- Tecnologia e mídias
Apoio
A organização desse evento conta com o apoio do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina.